O consultório está cheio e a consulta em curso se estende, aumentando a impaciência, a ansiedade e a irritação dos pacientes que aguardam na sala de espera. De repente, o representante de um laboratório chega. Logo se instala uma cena de desconforto, com algumas pessoas já se preocupando com a possibilidade da próxima consulta ser interrompida para que o médico atenda o profissional da indústria farmacêutica prioritariamente.
A cena se repete em muitos consultórios, mesmo com a ciência da secretária e do médico de que esse tipo de conduta desagrada profundamente aqueles que aguardam atendimento há um longo tempo.
Os representantes são de grande importância para a indústria de medicamentos, uma vez que são os responsáveis por atualizar os médicos acerca dos produtos que seus respectivos laboratórios lançam no mercado.
São especialmente qualificados para explicar as propriedades de determinado medicamento, com seus benefícios e contraindicações para os pacientes. É necessário que haja uma relação de credibilidade e confiabilidade. O representante farmacêutico desempenha importante papel na área da saúde e precisa vender, mas os médicos devem estar atentos à necessidade primeira de seus pacientes.
O representante tornou-se um importante canal para coletar dados e prestar serviços personalizados aos médicos e, além de tentar convencê-lo a prescrever determinado remédio, passou a dar um novo enfoque nas conversas, com o intuito de estabelecer uma relação de parceria.
Cabe à secretária agendar suas visitas, a fim de evitar atropelos e atrasos no atendimento dos pacientes. O ideal é que se proceda a um trabalho racional e que não prejudique aqueles que aguardam a consulta.
O procedimento de especificação de horários para atendimento a representantes acontece de forma ainda tímida e, em certos consultórios e clínicas, trabalham com horários marcados. Diante desse quadro, também eles têm buscado o aperfeiçoamento de seu trabalho, visando otimizar o tempo de sua entrevista e evitar situações constrangedoras e que possam prejudicar o relacionamento com o ambiente no qual está inserido.
A indústria farmacêutica é reconhecida como uma das precursoras do marketing de relacionamento, tendo como princípio construir relacionamentos duradouros, sendo sua meta inserir o produto no mercado.
Se a concorrência no mercado farmacêutico cresceu significativamente ao longo dos anos, com a oferta de várias marcas comerciais para uma determinada substância e também dos genéricos, cabe ao representante demonstrar todo seu profissionalismo e conhecimento do produto que divulga e pretende que seja recomendado pelo médico. De outro lado, caberá sempre a este o direito de decidir, escolhendo o medicamento que julgar de maior eficiência, além de discernir qual o representante que melhor atende suas necessidades. Em termos éticos, tal procedimento é considerado totalmente lícito, não configurando qualquer tipo de submissão do profissional em relação ao laboratório escolhido ou ao seu representante.
O estabelecimento de uma parceria saudável dos médicos com os representantes da indústria farmacêutica é de suma importância para que os pacientes recebam cada vez melhores cuidados e também para o avanço técnico e científico. Porém, existem controvérsias sobre essa relação.
As desconfianças acerca da suposta ocorrência de prescrição irracional de medicamentos, mediante a oferta de patrocínios, pagamento de honorários de consultoria para que sejam exaltadas as virtudes de produtos da empresa, amostras grátis, participações em congressos, anúncios em revistas especializadas, para a indicação de determinado produto na receita médica, são objeto permanente de debates. A questão é ter claro se a indústria exerce influência nas prescrições, tendo como meta a verificação dos resultados favoráveis ou contrários em termos de qualidade e custos nos cuidados de saúde.
No Brasil, o plenário do Conselho Federal de Medicina aprovou e foi assinado em 14 de fevereiro de 2012 o acordo firmado entre o CFM e a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), englobando indústrias farmacêuticas que tinha, naquela ocasião, 29 laboratórios, sendo a maior deles multinacionais, com 54% do mercado brasileiro de medicamentos, estabelecendo parâmetros para disciplinar a relação entre médicos e indústrias. O acordo teve suas discussões iniciadas em 2010, a partir de uma proposta da Interfarma, e também foi referendado por outras entidades, como a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), também pioneira nas discussões, na sede do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
Integram o protocolo “temas como a transparência na relação entre médicos e setores do mercado, o apoio dessas empresas ou entidades à organização de congressos técnicos e científicos, os patrocínios aos convidados de eventos, as ofertas de brindes e presentes, e as boas práticas esperadas no trabalho de visitação aos hospitais, clínicas e consultórios”.
Também o Código de Ética Médica Brasileiro, através da Resolução CFM Nº 1931/2009, aborda a importância de se estabelecer uma relação ética para evitar e eliminar conflitos de interesse entre as partes. O artigo 68 determina ser vedado ao médico: “Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza”.
É importante destacar ainda que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou em 1976 a Resolução Nº 96, estabelecendo que o apoio ou patrocínio aos médicos para participação em eventos científicos nacionais ou internacionais não deve estar condicionado à prescrição de medicamentos. Além disso, atentou para o trabalho específico dos representantes dos laboratórios, recomendando expressamente que “devem limitar-se às informações científicas e características do medicamento registradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária“.