Publicado 14 de outubro de 2021
Crimes virtuais tornaram-se algo cada vez mais presente na realidade dos brasileiros. Ao longo de 2020, o país sofreu 8,4 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos, sendo que 5 bilhões ocorreram nos últimos três meses daquele ano. Esses dados, divulgados no mais recente relatório do FortiGuard Labs, laboratório de ameaças da Fortinet, mostram a dimensão deste tipo de crime e justificam os crescentes investimentos em segurança pelas empresas, incluindo a área da saúde, como hospitais, clínicas e consultórios médicos.
Os criminosos podem utilizar técnicas avançadas, como inteligência artificial, para alcançar seus objetivos. Por isso, os estabelecimentos de saúde – seguindo uma tendência de todo o mercado – começou a desenvolver tecnologias capazes de barrar ou pelo menos identificar esses ataques, considerando a IoT (Internet of Things ou Internet das Coisas) e até o aprendizado de máquina a plataformas de segurança que operem de forma integrada e automatizada na rede principal, em ambientes multi-cloud, em filiais e nas casas dos que trabalham remotamente, realidade crescente devido à pandemia, como é o caso da teleconsulta – que exige inclusive o acesso de prontuários médicos de forma remota.
Porém, o que muitos ainda não consideram é a importância do fator comportamental para os crimes virtuais se concretizarem. Essa técnica tem um nome e se chama engenharia social.
Inúmeros crimes virtuais acontecem com base comportamental, sem o uso de nenhum celular ou computador, induzindo pessoas a compartilharem dados confidenciais sem perceber. A técnica, chamada engenharia social, utiliza informações captadas por meios analógicos, ou seja, não virtuais, para aí sim acessarem seus computadores e/ou celulares com malware* ou abrir links para sites infectados. Essa modalidade expõe a falta de conhecimento das pessoas sobre a relevância dos dados pessoais e como é fundamental protegê-los.
O mercado da saúde é um alvo muito visado, já que junto ao setor bancário, é o que mais lida com dados pessoais e sensíveis. A maioria dos médicos sabe de sua responsabilidade sobre a integridade e segurança das informações dos pacientes, mas ainda não sabe como armazená-los de forma realmente segura e como utilizar corretamente os seus dados, respeitando os limites da segurança da informação e do que prevê a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A velocidade da tecnologia impacta a forma como os profissionais de saúde assimilam informações relacionadas à segurança, partindo do princípio que esta não é sua área de atuação direta. Porém, como guardião dos dados dos pacientes, o uso correto dos dados não é apenas uma questão ética, como também legal.
Uma pesquisa realizada pelo Procon-SP este ano mostrou que apenas 35% dos entrevistados afirmaram conhecer a LGPD, criada para organizar e disciplinar as relações entre os titulares dos dados e aqueles que os coletam e fazem uso destes. Além disso, quase 60% não sabem a definição correta de dados pessoais. Essas informações são um sinal de alerta quanto ao rumo da segurança da informação e até da continuidade dos estabelecimentos, já que a LGPD inclui sanções que vão de multas à suspensão da atividade de tratamento de dados, em caso de violação da lei.
Um exemplo comum no dia a dia de várias pessoas é o famoso golpe do whatsapp, em que alguém envia uma mensagem de WhatsApp em nome de outro indivíduo, se passando por ele, pedindo dinheiro emprestado. A forma com que o criminoso aborda a vítima é utilizando-se de engenharia social, com nomes e apelidos que a pessoa normalmente usa, ou com informações sobre a situação financeira dela. Por esse motivo, por mais que seja um golpe já conhecido, muitos caem. Essa mesma lógica se aplica a inúmeras formas de crimes virtuais. Imagine algumas situações como:
Todas essas situações são ligadas ao comportamento inseguro de indivíduos. Estes comportamentos são a porta de entrada que criminosos precisam para executarem seus crimes. A partir do vazamento dessas informações, é possível que pessoas mal intencionadas conheçam o padrão de comportamento de uma pessoa ou estabelecimento e use esse conhecimento para fazer um ataque. O clássico e-mail de “phishing” , principal porta de entrada para ransomware, e os golpes com vírus são repletos de insinuações de conotação social. Os e-mails de phishing tentam convencer os usuários de que são de fontes legítimas, usando de informações padrão para atrair a vítima.
Em ataques direcionados, hackers podem frequentar um edifício corporativo e o ambiente que cerca para colher informações de pessoas que trabalham ali, sem que precisem enviar sequer um e-mail ou escrever uma linha de código de vírus, construindo as bases para o que chamamos de pré-ataque.
Por sua vez, outros ataques dependem da comunicação real entre invasores e vítimas. Nesse caso, o invasor pressiona o usuário a conceder acesso à rede com a alegação de um problema sério que requer ação imediata. Essa inteligência da engenharia social não está ligada à tecnologia em sua base, mas sim a padrões de comportamento.
O comportamento seguro é cultural e impõe uma mudança de caráter social Há uma preocupação legítima ligada à segurança de tecnologias usadas no dia a dia dos profissionais de saúde: qual software de gestão utilizar, criar senhas seguras para os sistemas, dentre outras. De fato, é fundamental que ao contratar e utilizar plataformas médicas, o médico verifique a política de privacidade da empresa e as eventuais integrações com terceiros, que podem abrir precedentes de segurança.
Ao mesmo tempo, é preciso criar mecanismos de senhas seguras, dupla autenticação e outras ferramentas que aumentem a segurança das informações. Porém, nada disso é eficiente se não há uma mudança cultural, que gere um novo padrão de comportamento seguro em todos os envolvidos no processo. Essa é com certeza a parte mais difícil, já que não estamos falando de algo matemático ou objetivo, mas sim de pessoas.
Todos esses cuidados fazem parte de um exercício de valores maior e constante. O foco em tecnologias seguras nunca pode deixar de existir, mas junto com ele deve vir a preocupação com o comportamento das pessoas, o que exige disciplina, conscientização e treinamentos. A era da informação traz inúmeros benefícios para a sociedade a um ritmo cada vez mais acelerado, mas se não houver responsabilidade com os dados, muito em breve qualquer um de nós terá sido vítima de um crime virtual. Ou pior: você poderá ter sido responsável por um crime contra um paciente seu, sem nem mesmo saber, e responder legalmente por isso.
*Malware é um termo para classificar todo tipo de software malicioso usado para causar prejuízo, que pode ser financeiro, danificar sistemas, interceptar dados ou simplesmente irritar o usuário, afetando tanto computadores como celulares e até redes inteiras.