Da mesma forma que o Aurélio absorveu palavras do “informatiquês”, geradas a partir de sua utilização diária no mundo virtual, o uso constante, e muitas vezes compulsivo da Internet, cada vez mais coloca a comunidade médica em alerta. Tanto por seus possíveis efeitos maléficos em termos físicos quanto psicológicos. Da mesma forma que o teclar repetitivo em um celular pode provocar problemas nos dedos, ou no pescoço, alguns sintomas que afetam a mente preocupam médicos, psicólogos e demais estudiosos atentos ao comportamento humano. São acentuados os sintomas pelo excesso de tempo dispendido diante das maravilhas e tentações oferecidas.
Embora sem reconhecimento oficial, alguns distúrbios parecem upgrade de antigas enfermidades, revistas e atualizadas sob a capa da modernidade. Outras surgem como novidades para assombrar os profissionais que se debruçam sobre a nova realidade para decifrá-la. Transtornos, todos eles, provocados pelo uso exagerado e desregrado. É preciso estar atento aos sinais e utilizar racional e moderadamente a tecnologia.
Nomophobia
Os telefones celulares são uma tentação para os que correm atrás do aparelho que será lançado com a mais avançada tecnologia e recursos inovadores. Mesmo os que ainda não estão neste grau também revelam sua dependência através do pavor de simplesmente ficar sem a possibilidade de se comunicar por ele. A ansiedade atende pelo nome de Nomophobia, abreviatura de “no-mobile phobia”, o “medo de ficar sem celular”. A palavra surgiu no Reino Unido, em 2008, e ficou consagrada em uma edição do “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-5” – “Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais”. DSM-5 é a classificação padrão de transtornos mentais utilizados pelos profissionais de saúde nos Estados Unidos.
O nervosismo e o stress estão de braços dados com a perda de conectividade. Os exemplos diários de pessoas transtornadas vão desde a “simples” perda de uma chamada telefônica até o daquelas que levam o aparelho para debaixo do chuveiro ou dormem com ele debaixo do travesseiro.
Síndrome do toque fantasma
No livro “iDisorder”, o Dr. Larry Rosen abordou a “Síndrome do toque fantasma”, uma das doenças mais comuns nos tempos da Internet. Pode ser constatada facilmente, quando o cérebro faz com que a pessoa sinta que o celular está vibrando no bolso, ainda que ele não esteja ali. Conforme relato de seus pacientes, 70% dos heavy users (usuários intensivos) de dispositivos móveis vivenciaram a experiência sem que tenham recebido nenhuma ligação.
Para Phil Marso, fundador da “Jornada Mundial sem Celular”, uma iniciativa que começou em 2011, para quem o aparelho “é o canivete suíço da modernidade”, pois ali “temos toda uma vida ligada ao celular”. A raiz da ansiedade, segundo ele, é que “quando o perdemos, perdemos muito mais do que um telefone”. Nele, estudiosos enfatizam, está armazenada grande parte da vida afetiva de cada um.
Náusea Digital ou Ciberdoença
O fato de várias pessoas reclamarem de uma sensação de desorientação e vertigem ao entrarem em contato com o mundo virtual deu origem à denominada “Náusea Digital”, ou “Ciberdoença” do inglês “Cybersickness”. Foi o que aconteceu recentemente, depois do lançamento da nova versão do sistema iOS, da Apple. Os relatos de vários usuários postados nos foruns de suporte da empresa alertaram que, após a utilização da nova interface da plataforma, que provoca a impressão de movimento, sentiram náuseas e desorientação espacial. Outro “foco” de doenças passou a ser o Facebook, sob a suspeita e acusação de provocar malefícios e transtornos à saúde. A depressão estaria diretamente vinculada ao fato de uma pessoa se relacionar ou não na rede social. O tempo gasto no Facebook foi apontado por um estudo da Universidade de Michigan (Estados Unidos) como causa da depressão entre os jovens.
Especula-se que o fato de uma pessoa postar em seu perfil um (falso?) mundo de realizações e felicidade, com fotos de inúmeros amigos, viagens e festas, poderia influenciar de forma negativa em outra pessoa, que não estaria vivendo em um mundo real tão feliz assim.
Transtorno de Dependência da Internet
Já o chamado Transtorno de Dependência da Internet se refere à compulsão em permanentemente acessar a web. Também é conhecido pela denominação “Uso Problemático da Internet”, interferindo na vida diária, seja no lar, no trabalho ou na convivência social. Quando, por exemplo, a pessoa prefere muito mais enfiar a cara na tela e esquecer do mundo à sua volta, preferindo as facilidades tecnológicas para conversar com as pessoas, deixando de lado o contato pessoal. Há quem discorde do enquadramento do problema como doença, contudo, o sinal de alerta é cada vez mais forte. “O problema está associado a outras doenças, como depressão, TOC, Transtorno de Déficit de Atenção e ansiedade social”, diz a Dra. Kimberly Young, Médica responsável pelo Centro de Dependência da Internet, em Bredford, na Pensilvânia (EUA), que trata de inúmeras formas de dependência à rede, como o vício de jogos online e jogos de azar, e vício em cibersexo.No início do ano passado o centro médico já oferecia uma nova terapia para curar o vício com um tratamento de 10 dias por 14 mil dólares, tendo como base a experiência com viciados em álcool e drogas.
No Japão, em agosto daquele ano, uma dezena de adolescentes participou voluntariamente do primeiro programa para tratamento da dependência, permanecendo oito dias sem tocar em um computador ou smartphone. O “jejum de internet” foi coordenado pelo psiquiatra Susumu Higuchi. Anteriormente, o programa só fora testado na Coreia do Sul e chegou ao país vizinho, afetado pelo fenômeno da dependência crescente entre os japoneses, principalmente os mais jovens. No Brasil, alguns sites já oferecem tratamento on line, disponibilizando vídeos, plano de tratamento, projeto terapêutico e medicamentos fitoterápicos.
Outra forma de dependência à Internet é o acesso constante aos jogos multiplayer on line, tornando o usuário viciado na prática. O cérebro do jogador manterá a pessoa sob a necessidade de receber substâncias neurotransmissoras, o obrigando a permanecer com o comportamento, a fim de que libere principalmente a dopamina e a serotonina para que se sinta bem.
Efeito Google
As buscas via Google também são objeto de estudo, pois afetam o dia a dia de todos, seja no trabalho ou nos estudos. Ficou mais rápido, fácil e cômodo clicar e receber as respostas prontas, muitas vezes não confiáveis e que não levam as pessoas a fazer uma averiguação mais aprofundada daquilo que se procura saber. No chamado Efeito Google, a tendência é de que o cérebro humano passe a reter menos informação, uma vez que já recebe tudo mastigado e pronto para consumo. O fato de abraçar o mundo com um cabedal de informações não implica em qualidade e correção, contribuindo ainda para a alteração do funcionamento cerebral.
Cibercondria ou Hipocondria Digital
Já a Cibercondria, ou Hipocondria Digital, tem diagnóstico fácil e se refere à tendência que os hipocondríacos adquiriram de acreditar em tudo que vê sobre doenças na internet. Um dos malefícios provocados pelo “Dr. Google”, criador de pacientes que já entram no consultório médico com o diagnóstico pronto para informar ao médico o seu quadro e qual a prescrição deve receber. Ou que já vai direto à farmácia comprar o medicamento sem receita. A Microsoft realizou um estudo em 2008, constatando que os pacientes do “Dr. Google” e de outras ferramentas de busca online geralmente os levaram a concluir o pior.