Cenas raras começam a se repetir e ganham as manchetes do noticiário brasileiro envolvendo o descontentamento de pacientes com o sistema de saúde, abrangendo postos de saúde, prontos-socorros, hospitais, clínicas e consultórios. As reclamações, em sua grande maioria, têm sua origem nas deficiências apresentadas pelo atendimento, causadas muitas vezes pela falta de infraestrutura e pela falta de profissionais.
Um quadro difícil e preocupante, bem distante da imagem do médico que dispõe de recursos tecnológicos de última geração para a realização de exames.
Cada vez mais a imprensa divulga ações covardes cometidas contra médicos, com reclamações pesadas, insultos, ameaças de morte, xingamentos e agressões físicas. As entidades representativas dos médicos se posicionam contra as hostilidades, verificadas principalmente nos hospitais públicos e postos de saúde, onde o atendimento é visivelmente prejudicado pelas superlotações, com filas quilométricas que provocam longas esperas.
Além dos médicos, enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem têm sido vítimas constantes de violência física, verbal ou psicológica no ambiente de trabalho.
O relacionamento médico-paciente, cada vez mais estimulado e divulgado na imprensa, sofre constante revés diante das condições de trabalho a que estão submetidos em muitas unidades de saúde, principalmente na rede pública de atendimento. Dentre os principais problemas com os quais os médicos são obrigados a conviver registram-se, invariavelmente, a falta de medicamentos, equipamentos e insumos necessários para o bom funcionamento do hospital.
Já os pacientes, com seus familiares e amigos, querem receber o atendimento necessário e justo, mas em tempo hábil, o que muitas vezes não acontece exatamente pelas carências da unidade de saúde. A dor do sofrimento diante de uma enfermidade alia-se perversamente com uma realidade desfavorável e quem acaba pagando o pato são os médicos e enfermeiros, com seus auxiliares e técnicos.
As entidades de defesa médica revelam preocupação, principalmente porque muitas agressões não são denunciadas pelos profissionais, quem tem sofrer represálias ou perder o emprego. Geralmente, quem está na linha de frente do atendimento é o alvo predileto dos pacientes – e/ou dos seus familiares -, sem que exista uma política que lhes dê algum tipo de amparo.
O relatório “A Saúde dos Médicos do Brasil”, publicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2007, revelou que 44% dos médicos brasileiros são vítimas de estresse, ansiedade e depressão, acometendo especialmente os anestesistas, psiquiatras, intensivistas e pronto-socorristas. Além disso, 57% dos 7,7 mil médicos apresentam sinais da Síndrome do Burn Out, a síndrome do esgotamento profissional, afetando seu desempenho.
Dez anos depois, a avaliação de sindicatos e associações é de que a situação só piorou, enquanto, em contrapartida, os profissionais estão ganhando menos. Outro ponto detectado é o consumo de drogas e álcool, associado ou não. Segundo o “Perfil Clínico e Demográfico de Médicos com Dependência Química”, realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 2004, 36,8% dos médicos usam as drogas de forma associada. Além disso, o consumo de opioides (anestésicos derivados da morfina) e de benzodiazepínicos (remédios de tarja preta) pelos médicos supera em cinco vezes o uso feito pela população em geral.
De acordo com a pesquisa divulgada em março de 2017 pelos Conselhos de Medicina (Cremesp) e de Enfermagem (Coren) de São Paulo, quase 60% dos médicos e pouco mais de 50% dos enfermeiros já sofreram algum tipo de violência no trabalho em mais de uma ocasião. O levantamento ainda aponta que cerca de 70% dos profissionais da saúde já sofreram agressões por pacientes ou familiares.
Já outro estudo, realizado em 2018 pela Associação Paulista de Medicina, aponta que 70% das agressões feitas aos médicos é verbal, 15% correspondem a ataques físicos, enquanto ameaças totalizam 12%. Metade dos responsáveis pelas agressões são os familiares dos pacientes, enquanto os doentes totalizam 43%.
Em relação aos motivos, a demora nos atendimentos é a principal, sendo responsável por 32% dos casos de violência. A discordância dos pacientes com atestados vem em segundo lugar, com 21% e desentendimentos são 6%. Os outros 40% das agressões são por motivos diversos.
Em artigo assinado para o “Jornal do Cremesp” (Violência contra médicos: não somos culpados!), o então presidente Bráulio Luna Filho cobrou providências imediatas das autoridades: – Se isso não ocorrer, a desmotivação entre os médicos crescerá, e os estragos serão irreparáveis para a saúde dos pacientes. Não podemos permitir essa catástrofe! Não podemos nos omitir!
Para ele, “vários estão infelizes, com medo, e inseguros com a rotina de trabalho. Os entrevistados afirmaram que a maioria dos problemas com pacientes ocorre durante as consultas, o que caracteriza um ambiente de trabalho extremamente desfavorável. A infraestrutura é fator determinante para os momentos de fúria dos pacientes. Frustrados com a saúde pública, acabam descontando no médico aquilo que é decorrente da precariedade dos hospitais e da demora do atendimento”.