Antigas doenças, cujo combate não tem merecido a devida atenção através de campanhas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), começam a ser vistas por um prisma diferente. E a iniciativa para lutar contra algumas delas, como o Mal de Chagas e a Leishmaniose, já apresenta resultados, como as drogas formuladas por pesquisadores do Brasil. A expectativa dos estudiosos reside no fato de que existe a possibilidade de serem desenvolvidas moléculas com novas formulações farmacêuticas, associação de drogas e também em formas menos tóxicas para aplicação dos remédios disponíveis no mercado.
Causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, a Doença (Mal) de Chagas é transmitida pelo inseto barbeiro, atingindo 8 milhões de pessoas em todo o planeta, e provocando a morte de 12 mil a cada ano, conforme dados da OMS. Já a Leishmaniose é transmitida por insetos hematófagos conhecidos (flebótomos ou flebotomíneos), com duas formas de manifestação: a visceral, que pode matar, e a cutânea. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 12 milhões de pessoas podem estar infectadas, constatando-se anualmente a morte de 30 mil pessoas.
Os pesquisadores Wagner Vilegas, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em São Vicente (SP), Emerson Ferreira Queiroz, da Universidade de Genebra, na Suíça, e Cláudia Quintino da Rocha, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), isolaram uma nova família de moléculas a partir da planta Arrabidaea brachypoda, conhecida no cerrado brasileiro como cervejinha-do-campo e usada contra cálculos renais. A partir dos resultados de pesquisas in vitro e in vivo, com animais de laboratório, avaliaram que uma molécula da família tem potencial para o desenvolvimento de um novo medicamento.
Nas doses testadas, a substância não apresentou toxicidade, proporcionando um alento na luta contra o Mal de Chagas. O benznidazol, droga mais usada hoje no Brasil, provoca fortes efeitos colaterais, com reações alérgicas cutâneas, enjoos e vômitos. A pesquisa caminha para seu estágio final, quando se espera comprovar sua eficácia, devendo então ser intensificada a busca por parceiros na indústria farmacêutica para viabilizar os testes clínicos em seres humanos.
Enquanto isso, no Instituto Adolfo Lutz, o pesquisador André Tempone trabalha com equipes multidisciplinares abrangendo o reposicionamento de fármacos já existentes e associações terapêuticas. Está em estudos o potencial terapêutico de antidepressivos orais com base na sertralina para a Leishmaniose Visceral e Cutânea e para o Mal de Chagas. Os testes com animais estão sendo realizados pelo Instituto, pelas universidades de Dundee (Escócia), San Pablo (Espanha) e na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), com o apoio da FAPESP. Em caso de resultados positivos, o passo seguinte será usar a sertralina com o benznidazol para combater a doença.
Para enfrentar a Leishmaniose, os testes com a sertralina serão feitos em associação com as drogas anfotericina B e miltefosina. Importante destacar que essa segunda droga ainda é alvo de estudos clínicos no Brasil, onde o medicamento mais utilizado para combater a doença é um composto com antimônio. O pesquisador ressalta que o antimônio trata o paciente, mas não elimina 100% o parasita, além de provocar efeitos colaterais adversos graves, principalmente para doentes cardíacos e renais.
Já a pesquisadora Bartira Rossi-Bergmann, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) concentra seus estudos na luta contra a Leishmaniose Cutânea, que, embora não seja letal, deixa um rastro de graves consequências sociais para 1,2 milhão de infectados por ano em todo o planeta. Em vez das injeções diárias de antimônio, seu trabalho prevê a aplicação de um medicamento em dose única, implantando nanopartículas no local infectado, com a liberação gradual da droga na pele.
Também estão em estudos duas possibilidades de drogas que poderão ser conjugadas em um único implante. A primeira, e mais promissora, utiliza a síntese de uma molécula identificada da planta Piper aduncum, da família das pimentas, que terá que passar por testes em animais e seres humanos. Já a segunda, com a utilização da anfotericina B, já usada no tratamento da Leishmaniose. Conforme a pesquisadora, testes realizados com camundongos indicam que o implante da anfotericina B na pele não gera os efeitos colaterais comuns ao medicamento, quando a droga é injetada no músculo.